Planejando seu Home Studio


Sérgio Izecksohn


Como eram os estúdios há poucos anos e como são hoje? Em geral, as questões principais são as mesmas: equilibrar objetivos, orçamento e espaço disponíveis. As técnicas de gravação tiveram de se adaptar a uma realidade nova, virtual mesmo, mas na essência são as mesmas técnicas usadas há muito tempo. As mudanças mais significativas ocorreram nas tecnologias adotadas.

Há poucos anos, investir num home studio, mesmo um bem pequeno, exigia um investimento alto para os padrões brasileiros. Mesas de gravação e mixagem, gravadores de fita multipista e estéreo, processadores de efeitos, equalizadores, compressores e noise gates (a maioria nem comprava esses últimos), samplers, baterias e sintetizadores MIDI, amplificadores, monitores, instrumentos e tratamento acústico eram necessidades que, mesmo que fossem bem atendidas, ainda assim eram insuficientes para nos dar uma sonoridade compatível com padrões mais profissionais. Em suma, gastavam-se rios de dinheiro e o som ficava, vamos dizer assim, “caseiro”.

Hoje, usando um computador quase “doméstico”, só um pouquinho mais bem montado, é possível trabalharmos com programas que realizam todas as funções de todos aqueles equipamentos. E muito mais, já que temos recursos no computador impossíveis de se usar fora dele. Do lado de fora do computador, podem ficar só os microfones, os monitores, um teclado ou outro controlador MIDI e uma mesa de gravação e mixagem que, embora não seja mais obrigatória, ainda é extremamente útil, mas pode ser bem menor do que as que usávamos nos anos 90.


Estúdios de todos os tamanhos vêm gravando no computador. Graças aos programas que fazem a gravação de inúmeras pistas de áudio e de MIDI, eliminam ruídos, adicionam efeitos, corrigem a dinâmica e os timbres, realizam mixagens totalmente automatizadas, sonorizam vídeos e ainda geram ótimos sons através dos instrumentos virtuais, finalmente os estúdios se nivelaram por cima. Agora, com muito ou pouco investimento, o que mais faz diferença é o talento de cada produtor/operador.

Para montarmos um home studio, temos que equilibrar uma série de fatores. De acordo com nossos objetivos, capital, espaço, clientela ou necessidades pessoais, surgem inúmeras opções de equipamento e de projetos de tratamento acústico para quem vai “se equipar”. Nada é pior do que constatarmos erros de planejamento depois de realizado o investimento, como uma obra de isolamento acústico que não isola, ou a compra de aparelhos desnecessários ou obsoletos. Antes de comprar, devemos ponderar todas as necessidades e possibilidades, e aí fazer uma lista de todos os itens, com modelos e preços compatíveis entre si.

Primeiro vêm os objetivos do empreendimento. Um home studio pode atender os mercados de publicidade, rádio, TV, cinema, vídeo, multimídia ou produzir CDs de bandas ou de um músico, DJ ou produtor. O seu perfil, se você é músico, técnico de som, produtor etc., e a sua experiência com o material, também são dados importantes. E ainda: se o estúdio vai realizar somente produções próprias ou atender clientes. Cada combinação dessas variáveis implica num equipamento diferente.

Um estúdio voltado para a produção de trilhas sonoras instrumentais com sintetizadores deverá ter bons instrumentos reais e/ou virtuais, um instrumento controlador MIDI, além de um ótimo computador com interfaces de áudio e MIDI, enquanto outro estúdio, feito para gravação e mixagem de grupos vocais e/ou instrumentais, precisará de bons microfones, processadores de sinal e uma placa ou interface de áudio de vários canais para gravação multipista. Nos dois casos, vamos precisar de uma boa mesa e de bons monitores de áudio. Mas, repare: se os instrumentos e os efeitos usados forem somente virtuais, em forma de software, podemos reduzir muito o tamanho da mesa e da placa de som, realizando as mixagens numa mesa virtual. Mas aí é que não podemos abrir mão da qualidade sonora, pensando que uma placa de multimídia vai quebrar o galho. Não vai, embora ela seja útil enquanto estamos apenas estudando os programas. Na hora de trabalhar, os conversores AD/DA (analógicos/digitais e vice-versa) das placas voltadas para gravação vão fazer toda a diferença em termos de qualidade sonora: mais peso, mais definição dos sons, timbres mais ricos e bonitos do que obtemos com placas feitas para jogos, mesmo os modelos mais luxuosos. Também não podemos abrir mão da mesa de som. Por menor que ela seja, esta é uma peça fundamental para dar agilidade ao estúdio e mesmo para proteger os conectores da placa de som, evitando sucessivas conexões e desconexões dos equipamentos ao computador.

O segundo item em que devemos pensar é o capital disponível. Ele deve ser levado em conta para definirmos o nível ou o padrão geral do estúdio, para que se determinem equipamentos e obras acústicas compatíveis entre si. Por exemplo, o uso de microfones caros e muito sensíveis num quarto de alvenaria sem qualquer tratamento acústico pode trazer resultados decepcionantes.
Podemos dividir os home studios em três níveis: básico, intermediário e avançado.
O de nível básico pode usar um computador como central de operações. Com uma boa placa de dois canais de áudio e entrada e saída MIDI (Echo Mia ou M-Audio Audiophile) num PC bem configurado (Pentium ou Athlon, com uma escolha criteriosa de componentes compatíveis, inclusive placa-mãe, processador, placa de vídeo, memória), este estúdio tem um poder de fogo bem maior do que aparenta. Mesmo com uma mesinha bem pequena, mas de boa qualidade (Behringer, Mackie, Phonic), um sistema de som doméstico de boa marca, um ou dois microfones dinâmicos (Shure SM-58 e SM-57, por exemplo) e um teclado controlador MIDI sensível ao toque (controladores “mudos” ou teclados antigos saem bem em conta), este estúdio, com os programas adequados no computador, pode até fazer frente às produções de grandes estúdios comerciais, dependendo do caso. Os programas podem incluir uma estação de trabalho de áudio e MIDI (Cakewalk Sonar ou Steinberg Cubase SX), um editor (Sony Sound Forge ou Steinberg WaveLab), sintetizadores e samplers virtuais (Propellerhead Reason, Tascam GigaStudio, plug-ins DXi e VSTi) e um programa de masterização como o Sony CD Architect.
O estúdio de nível intermediário conta com um sistema de gravação de áudio digital em oito ou 16 pistas simultâneas. Para isso, usa uma mesa de, no mínimo, 16 canais (Behringer, Mackie, Soundcraft ou Tascam) e uma ou duas placas de áudio de oito canais com MIDI (Echo Layla, M-Audio Delta 1010 ou MOTU 2408). Pode usar diversos controladores MIDI, microfones para vozes e instrumentos e monitores de estúdio (Behringer, JBL, Samson). Os programas são os mesmos usados nos estúdios básicos e o computador tem mais memória, espaço em disco e processador mais rápido. Um projeto de isolamento e tratamento acústico, neste nível, pode melhorar muito a gravação e a mixagem, se for feito por pessoas experientes.

O home studio de nível avançado, apto a oferecer qualquer serviço de gravação, tem uma mesa (Behringer, Mackie, Soundcraft, Tascam, Yamaha) com 24 ou mais canais de entrada/saída e oito subgrupos, um ótimo computador (MacIntosh ou Pentium), dois sistemas de monitoração com amplificadores e caixas profissionais para gravação e para mixagem, processadores em rack e em software, vários microfones (AKG, Eletro Voice, Neumann, Sennheiser, Shure) e cabos de qualidade. O sistema MIDI tem uma interface de oito portas (Midiman MidiSport 8x8, Opcode 8 Port SE), teclado e outros controladores, sintetizadores, samplers e baterias reais e/ou virtuais. Os programas são os já citados, ou ainda o Pro Tools, o Logic, o Nuendo ou o Digital Performer.

A terceira variável, o espaço disponível, exige um planejamento de obras de tratamento acústico. Quanto mais alto o volume do som, mais cuidado devemos ter com tratamento e isolamento. Um projetista com experiência evita decepções com projetos improvisados que pioram a sonoridade de sua sala. Reserve um espaço para a técnica e outro para os músicos, perfeitamente isolados um do outro. Se for um estúdio pequeno ou médio, podemos até gravar com fones de ouvido num único cômodo da casa.
O mais importante é termos um projeto coerente, pesando as reais necessidades, de acordo com nossas condições e metas. Vale a pena começarmos com um estúdio mais simples, e depois fazê-lo evoluir.
 



Sérgio Izecksohn (sergio@homestudio.com.br) é músico, produtor e professor-coordenador dos cursos do Home Studio



Publicado na Revista Backstage em 2003