Estúdio de Mochila


Sérgio Izecksohn


Nas férias, com o verão escaldando o país inteiro, ficar em casa pode não ser uma boa opção. Mas, como fazer para concluir os trabalhos pendentes no estúdio? Desculpas sinceras não interessam aos clientes aflitos para ouvir como ficou sua produção. Dizer o quê? Que o Carnaval está aí mesmo e o resto fica para depois? Só se desse para levar o estúdio para o passeio, alternando lazer e dever. E já existe esta solução. Leve um super-estúdio na sua mochila e obtenha resultados altamente satisfatórios em suas produções. O exemplo a seguir ilustra bem esta opção.
M-Audio OzoneRenato Rocha e Rodrigo Netto têm uma diferença: o primeiro usa PC e o segundo usa Mac. Mas têm várias coisas em comum: além dos dois serem guitarristas da banda Detonautas Roque Clube, cada um circula por aí com um estúdio completo na mochila. Eles não param em casa e, para fazer frente às necessidades de produção de vinhetas e outras encomendas que recebem, além da pré-produção do próximo disco, só mesmo gravando nos quartos de hotel Brasil afora.
Com um notebook atual e um desses teclados controladores com entrada de áudio que usam conexão USB ou firewire, você só precisa de um bom microfone, um bom fone de ouvido e alguns programas. Dá para gravar áudio em dezenas de pistas, seqüenciar arranjos com samplers, baterias e sintetizadores virtuais, editar, mixar com todos os recursos que conhecemos dos grandes estúdios e ainda masterizar o CD. E sem pagar excesso de bagagem!
O equipamento.  São muitas as opções, a começar por uma escolha pessoal, que é a eterna disputa PC x Mac. A facilidade para conseguir os programas e o custo mais baixo são as principais virtudes do PC. No caso do Macintosh, a preferência se deve à maior estabilidade. Mas ambas as plataformas contam com diversos modelos portáteis e bastante adequados às nossas necessidades. Escolha um que tenha pelo menos 512 MB de memória RAM, hard disk de, no mínimo, 40 GB e uma CPU atual. No caso dos PCs, Pentium IV ou Athlon XP acima de 2 GHz. Se preferir um Mac, use G4 ou G5. A conexão com o teclado/interface pode ser USB ou firewire e deverá ser a mesma do computador. Não se esqueça do gravador de CD.
Alesis Photon X25Como alternativa ao uso de placas de áudio e MIDI portáteis e para simplificar o cabeamento do Estúdio Mochila, muitos produtores preferem os teclados que incorporam as funções de interface de áudio e MIDI e se ligam à máquina pelo cabo USB ou firewire. Um exemplo muito popular é o Ozone, da M-Audio, que tem só duas oitavas, mas, por isso mesmo, cabe mais facilmente na bagagem. Ele é adequado não somente aos DJs e produtores de música eletrônica, mas também aos outros músicos que precisem seqüenciar arranjos e transportar o estúdio de um lado para o outro. Há outros modelos semelhantes, como o Alesis Photon X25 e o Edirol PCR1, também com 24 teclas (duas oitavas) e outro modelos com mais oitavas, destes e de outros fabricantes. Mas aí talvez não caibam na mochila...
Renato, por exemplo, usa um notebook Toshiba Satellite com processador Pentium IV de 3.06 GHz, HD de 60 gigabytes, 512 mega de memória RAM e gravador de CD e DVD. Pela conexão USB ele liga o teclado Ozone, ao qual se conectam um microfone Shure SM57 e um fone de ouvido Koss Porta Pro. Para não ter que levar uma coleção de guitarras e amplificadores pra todo canto, ele usa uma guitarra Variax e um simulador de amp Pod 2.0, ambos da Line 6. Eles têm uma incrível versatilidade, simulando timbres de muitos modelos famosos de amplificadores e de guitarras de várias marcas.
Rodrigo usa um Macintosh Powerbook onde, além das produções de áudio, edita vídeos.
Os programas. De novo nos deparamos com uma infinidade de opções. Vamos precisar de um programa do tipo ‘workstation’ ou estação de trabalho, na verdade um misto de gravador multipista, seqüenciador MIDI, editor, mesa de mixagem e plataforma de plug-ins de efeitos e de instrumentos. Os melhores são o Cubase SX e o Sonar (PC) e o Digital Performer, o Logic ou o próprio Cubase (Mac). Como editor, o Sound Forge (PC) é o mais popular. Um ótimo complemento para o Sonar, com o qual interage bem. Os efeitos de áudio e os instrumentos virtuais podem ser em forma de plug-ins, numa imensa quantidade. Um programa muito usado hoje pelos produtores musicais é o Reason. Sendo uma coleção de instrumentos e efeitos próprios com um bom seqüenciador, apesar do Reason ser razoavelmente completo, ele se torna ainda mais útil quando acoplado a uma workstation através da técnica conhecida como ‘rewire’. Outro sampler poderoso, que também conta com rewire, é o GigaStudio, para o qual existe farta biblioteca de sons.
Para a finalização dos trabalhos, usamos a mesa virtual do próprio software de gravação para a mixagem. Exportado o arquivo com a mixagem estéreo, podemos então masterizar o CD. No PC, um excelente programa de masterização é o CD Architect.
Edirol PCR1Conexões. Nada mais simples. Conecte o teclado ao computador pela porta USB ou firewire, conforme o caso. Ligue o microfone à entrada própria do teclado. Se for usar uma guitarra, conecte-a ao simulador ou pré-amp e mande o som deste para a entrada de linha do teclado. Algumas interfaces têm entrada para guitarra, mas o procedimento acima é mais adequado. Pode-se ainda microfonar um amp de guitarra, mas a mochila fica bem mais pesada. O fone de ouvido também é conectado à saída própria do teclado. Em resumo, ligue tudo no teclado e conecte este ao laptop por um único cabo!
A produção. Muita gente boa tem aderido ao Estúdio Mochila. A galera dos Detonautas produz vinhetas para diversas emissoras que lhes solicitam e também realiza a pré-produção das músicas do próximo CD da banda. Quando eu estava finalizando este artigo, o produtor e baixista Saboya Jr. me telefonou para dizer que ia passar uma temporada tocando num cassino em Montevidéu, mas que estava levando ‘a mochila’ para continuar produzindo CDs de cantores e outros clientes.
Crie o arranjo com os instrumentos virtuais (Reason, GigaStudio, plug-ins VSTi, DXi etc.) controlados pelo teclado usando a sua estação de trabalho favorita. Grave o áudio das vozes e dos outros instrumentos nas pistas da mesma workstation. Converta o áudio dos instrumentos virtuais (“Freeze synth” no Sonar 4, por exemplo), que se tornarão novas pistas de áudio.
Finalização. Abra a mesa de som do mesmo software e dedique um bom tempo à mixagem. O ideal é esperar voltar para casa e mixar com monitores em vez do fone. O mesmo vale para a masterização. Se não houver outro jeito, queime um CD e procure ouvi-lo nos lugares os mais diferentes possíveis (estúdios, sons domésticos, carros, pistas de dança), para se certificar de que está soando bem em todos. Senão, refaça a mixagem ou a masterização quantas vezes for necessário.
Conclusão. Não se trata aqui de substituir uma mesa Solid State Logic de um milhão de dólares e toda a acústica dos estúdios milionários por uma mochila de acampamento. Não queremos dizer que dá no mesmo, porque não dá. Mas, em se tratando da produção de vinhetas, jingles publicitários, música eletrônica e pré-produção em geral, pode realmente não fazer diferença. Dependendo de quem opera e cria, pode ficar até muito melhor. Boa viagem!


Sérgio Izecksohn (sergio@homestudio.com.br) é músico, produtor e professor-coordenador dos cursos do Home Studio



Publicado na Revista Backstage em 2005